333bet reclame aqui -Um trajeto de quase mil quilômetros de ferrovia que atravessará o centro do país em meio a áreas de

Ferrogrão afetará333bet reclame aqui - pelo menos 6 terras indígenas, 1

Um trajeto de quase mil quilômetros de ferrovia que atravessará o centro do país em meio a áreas de proteção e territórios indígenas onde vivem,ãoafetarápelomenosterrasindí333bet reclame aqui - inclusive, povos isolados. Esse é o projeto da Ferrogrão (EF-170), obra monumental que é a menina dos olhos de grandes produtores de soja e milho do Centro-Oeste do Brasil, com a promessa de fortalecer a nova rota de escoamento pelo Arco Norte do país e reduzir custos.

Continua após publicidade

O transporte é feito hoje por caminhões que trafegam pela BR-163, rumo aos portos localizados nos municípios paraenses de Itaituba, Santarém e Barcarena. Com traçado paralelo à rodovia, a Ferrogrão tem como promessa reduzir os custos de transporte do agro, mas a um preço alto para os povos tradicionais e para a agenda brasileira de mudanças climáticas.

É mais um caso que divide ministros de Lula. Desta vez, justamente no estado que será palco da COP-30, em 2025, quando o presidente da República gostaria de exibir resultados positivos no combate ao desmatamento e nas emissões de gases de efeito estufa.

"Se eles não nos consultarem, a gente vai criar uma aldeia na linha do trem, aí quero ver se eles vão passar em cima da gente", afirmou à reportagem Doto Takak Ire, presidente do Instituto Kabu, que representa 12 comunidades do povo Mẽbêngôkre-Kayapó distribuídas entre as terras indígenas (TIs) Baú e Menkragnoti e duas comunidades da TI Panará. O território está na área mais impactada pelo traçado da ferrovia, segundo análise exclusiva feita pelo Laboratório InfoAmazonia de Geojornalismo. Para agravar a situação, este é também o espaço utilizado por três povos isolados: Pu'rõ, Isolados do Iriri Novo e Mengra Mrari.

O levantamento feito pela reportagem em parceria da InfoAmazonia  e O Joio e O Trigo expõe como, ao todo, ao menos seis terras indígenas, onde vivem aproximadamente 2.600 pessoas, e 17 unidades de conservação estão na área delimitada, que abrange 25 municípios do Mato Grosso e do Pará, com população estimada em quase 800 mil pessoas. Considerando uma zona de amortecimento de 10km no entorno dos territórios, a ferrovia incide sobre mais de 7,3 mil km² de terras indígenas e ultrapassa 48 mil km² sobrepostos às unidades de conservação.

A análise também considerou uma área de 50 km no entorno da Ferrogrão, tendo como base o traçado disponibilizado no Banco de Informações de Transportes do Ministério dos Transportes e os dados de desmatamento do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), referentes ao período de 2008 a 2022.

Essa área de influência maior tomou como base a nota técnica apresentada pelo Instituto Kabu à Funai em novembro de 2019, que alerta para as pressões diretamente relacionadas ao processo de pavimentação da BR-163 nesse perímetro – e que podem se agravar a partir da construção da ferrovia.

No lado paraense da ferrovia, diz a nota, um trecho de quase 380 km (40% do total) está a menos de 50 km das terras indígenas Baú, Menkragnoti e Panará, "onde os índices de desmatamento mantêm-se extremamente elevados desde que teve início a pavimentação da BR-163". A área de influência da BR-163 é de 40km em torno da rodovia, previsão para esse tipo de empreendimento na Amazônia Legal segundo a Portaria Interministerial nº 60/2015.

Apresentado durante a gestão de Jair Bolsonaro, em novembro de 2020, o estudo de impacto ambiental (EIA) da Ferrogrão elaborado pela empresa MRS Ambiental considerou apenas duas TIs dentro da área de influência do empreendimento: as reservas Praia do Mangue e Praia do Índio, localizadas no município de Itaituba e habitadas pelos Munduruku.

O estudo tomou como base o termo de referência emitido em setembro de 2019 pela Fundação Nacional do Índio (Funai) – presidida pelo delegado Marcelo Xavier, hoje investigado por uma série de crimes cometidos contra povos indígenas, incluindo o genocídio dos Yanomami. O documento considera a distância de dez quilômetros em torno do traçado da ferrovia, seguindo a medida estipulada para esse tipo de empreendimento pela mesma portaria de 2015.

O asfaltamento avançou sob o governo Bolsonaro: chegou até Novo Progresso no final de 2019 e foi concluído até Miritituba em fevereiro de 2020. Responsável pela execução dos recursos do Plano Básico Ambiental (PBA), principal condicionante prevista no estudo de impacto ambiental da rodovia, o Instituto Kabu não recebe repasses federais desde 2020.

Entre 2010 e 2019, os projetos eram decididos de forma conjunta entre as aldeias associadas ao instituto, com a fiscalização a cargo da Funai, que recebia a cada semestre a prestação de contas por parte dos indígenas. “Vai fazer cinco anos que o governo Bolsonaro paralisou tudo, são cinco anos de prejuízo dos nossos direitos”, lamenta Doto Takak Ire.

Em maio deste ano, o Instituto Kabu conseguiu um acordo com a empresa concessionária da rodovia para o repasse emergencial de recursos, enquanto aguarda novos estudos da Funai para a retomada do Plano Básico Ambiental.


Considerando uma área de 50 km entorno do traçado previsto, Ferrogrão terá impacto sobre seis terras indígenas / Carolina Passos/InfoAmazonia

Projeto do agronegócio

Com o início da operação do Porto de Miritituba, em Itaituba (PA), em 2014, e o asfaltamento recém-finalizado da BR-163, o escoamento de grãos do Mato Grosso pelos portos do Pará passou de 5% para cerca de 30%. A estimativa do governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), é que a Ferrogrão absorva 50% da produção de grãos do estado e uma redução no valor do frete em R$ 50 por tonelada.

O traçado da ferrovia, que liga o município de Sinop, no norte de Mato Grosso, ao porto de Miritituba, foi elaborado pela empresa Estação da Luz Participações (EDLP), que se associou às maiores compradoras de grãos – Bunge, Cargill, Amaggi e Dreyfus – para levar o projeto ao governo federal em 2014.

Encampada pela gestão Dilma Rousseff (PT), a Ferrogrão veio a público com Michel Temer (MDB) – que tinha como ministro da Agricultura o ruralista Blairo Maggi, dono da Amaggi. O empreendimento avançou a passos largos com Jair Bolsonaro (PL).

Doto Takak Ire conta que o primeiro interlocutor com os Kayapó em relação ao projeto da Ferrogrão foi justamente Maggi, durante seu mandato de senador, em 2016. Quando Temer assumiu, os Kayapó não foram mais ouvidos em relação ao empreendimento.

“A gente realmente conversou com o Blairo Maggi, que disse que o governo ia cumprir a compensação. Antes do impeachment, a gente teve uma reunião com o senador. Quando mudou o governo, a gente perdeu o diálogo e não conseguiu falar com mais ninguém. Nem com o governo Bolsonaro.”


Indígenas Kayapó Mekragnotire em protesto contra a Ferrogrão na BR-163 em 2020. / Instituto Kabu

A partir de uma ação do PSOL no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Alexandre de Moraes paralisou todos os processos da Ferrogrão para analisar a eficácia da Lei 13.452/2017, originada de uma medida provisória proposta por Michel Temer, que reduz a área do Parque Nacional do Jamanxim para acomodar a ferrovia.

O projeto voltou à discussão pública com a decisão do ministro, em maio deste ano, que determina a retomada dos estudos e processos administrativos e pede que o governo federal faça a conciliação em torno das questões ambientais que envolvem o projeto, mas não se posiciona sobre a redução da unidade de conservação.

“É uma decisão bem particular, porque pede uma conciliação, mas não deixa muito claro qual é o objeto de conciliação”, diz Biviany Garzon, coordenadora do Programa Xingu, do Instituto Socioambiental (ISA). Ela alerta para o risco de a discussão sobre a desafetação de áreas de proteção voltar para o Congresso Nacional.

“Com essa conjuntura de um Congresso totalmente avesso à questão ambiental e sedento de emplacar retrocessos nessa área, a gente tem essa preocupação de que um PL para desafetar o Parque Jamanxim, junto com a audiência de viabilidade do empreendimento, termine sendo o motor para desafetar muitas outras unidades de conservação na região.”

A decisão de Moraes se deu justamente no momento em que os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas foram enfraquecidos pelo Congresso Nacional, com a transferência de atribuições dessas pastas para os ministérios da Justiça e da Agricultura. A tese de conciliação foi trazida por Moraes também na recente discussão, no STF, sobre o marco temporal da demarcação de terras indígenas.

Apesar da forte ênfase na questão ambiental que marcou a formação do atual governo, o ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), defende publicamente a Ferrogrão desde que assumiu o cargo. Ele elogiou a decisão de Moraes e sinalizou que pretende aproveitar os estudos já realizados sobre a ferrovia e buscar um acordo sobre a questão ambiental em torno do projeto para lançar o edital de leilão já em 2024.

Os estudos de viabilidade econômica e de impacto ambiental feitos para o projeto, porém, são alvo de questionamentos, inclusive dentro do governo. O Ministério dos Povos Indígenas aponta que a consulta aos povos originários afetados pela obra não foi contemplada no projeto da Ferrogrão.

Por meio da Secretaria de Gestão Ambiental e Territorial Indígena, a pasta afirmou em nota enviada à reportagem que os processos de avaliação de impactos da ferrovia conduzidos durante as gestões de Michel Temer e Jair Bolsonaro foram feitos sem levar em consideração as áreas indígenas, "bem como os povos indígenas que ali vivem, e muito menos a presença de povos isolados e de recente contato".

Como principais ameaças às populações no entorno do traçado, a secretaria aponta o aumento da incidência do assédio do agronegócio às aldeias, o aumento da extração de madeira e pesca ilegais dentro dos territórios indígenas e de áreas protegidas, assim como o aumento da dificuldade para que grupos indígenas tenham seus territórios reconhecidos.

Procurado pela reportagem, o Ministério dos Transportes informou, por meio de nota, que trabalha junto à Infra S.A. e à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) em um diagnóstico sobre as necessidades de atualização e complementação dos estudos realizados, "com priorização para as questões socioambientais".

Por determinação de Lula, diz a nota, o ministério atua para que todos os seus empreendimentos de transportes "tenham sustentabilidade socioambiental, respeitem a legislação vigente e, ao mesmo tempo, atendam às demandas das comunidades locais".

"Não é diferente com a EF-170. A pasta vai discutir as questões ambientais necessárias, que precisam ser enfrentadas por todas as áreas interessadas do governo federal, como os ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima e o dos Povos Indígenas, e da sociedade brasileira", diz o texto.  

O Ministério dos Transportes aponta como vantagens do empreendimento a redução de emissões de CO2, a redução do frete rodoviário, a arrecadação tributária, a geração de empregos e a "ampliação de ações de fiscalização contra expansão ilegal da fronteira agrícola".

Em nota enviada à reportagem, a área técnica do Ministério do Meio Ambiente afirma que os estudos de impacto ambiental apresentados pelo empreendedor foram devolvidos pelo Ibama em março de 2021 e as adequações solicitadas pela equipe de licenciamento não foram apresentadas até o momento.

Pressão sobre os territórios

As terras indígenas funcionam como um escudo em relação ao avanço da degradação ambiental na região. Dentro das TIs o desmatamento total registrado é de 9,19 km². Quando consideramos a zona de amortecimento de 10km, esse número sobe para 799,82 km² – 8.703% a mais. O levantamento da reportagem, com base em dados do Prodes referentes ao período entre 2008 e 2022, identificou que mais de 95% da área desmatada que incide sobre os territórios está concentrada no município de Altamira, e afeta as TIs Baú (582,69 km²), Menkragnoti (159,38 km²) e Panará (23,11 km²), que respondem por mais de 80% da população indígena impactada pelo projeto na região. 


Desmatamento no entorno das terras indígenas Baú, Menkragnoti e Panará dentro da área de influência da Ferrogrão / Carolina Passos/InfoAmazonia

Em outra frente, Novo Progresso concentra a área mais desmatada em relação às unidades de conservação – mais de 40% de um total de 3.955,28 km² de áreas protegidas devastadas ao longo do trajeto da ferrovia. Este é o município onde Bolsonaro obteve a maior votação proporcional na Amazônia durante o primeiro turno das eleições de 2022.


Novo Progresso (PA) é o município com maior desmatamento em unidades de conservação na área de influência da Ferrogrão / Carolina Passos/InfoAmazonia

O desmatamento acumulado entre 2008 e 2022 atingiu aproximadamente 10% dos 98.862 km² analisados pela reportagem, segundo dados do Prodes. Os últimos quatro anos, que correspondem ao governo de Jair Bolsonaro, registraram 40% do desmatamento total nesta região. 

BR-163 leva o desmatamento para os territórios


Com traçado paralelo à Ferrogrão, o entorno da BR-163 responde por 80% do desmatamento na área analisada/ Divulgação/ISA

Visitantes, por favor deixem um comentário::

© 2024.sitemap